Por Laura Faria Guirro
A série Adolescência se apresenta como um retrato sensível e multifacetado da vida juvenil contemporânea, explorando os conflitos emocionais, os dilemas existenciais e as pressões sociais que marcam o processo de transição entre a infância e a vida adulta. Ambientada em um contexto urbano de classe média, a narrativa acompanha um grupo de adolescentes às voltas com questões como identidade, sexualidade, amizade, relações familiares e expectativas em torno do futuro. A produção se destaca, num primeiro momento, pela tentativa de conferir densidade psicológica aos personagens e de tratar temas delicados com responsabilidade emocional. No entanto, a obra também apresenta limites significativos que a tornam objeto pertinente de reflexão crítica.
Um de seus méritos está na abordagem do sofrimento psíquico que afeta a juventude, visibilizando ansiedades ligadas ao desempenho escolar, à aparência física, ao pertencimento social e às exigências familiares. A trama toca em pautas contemporâneas como bullying, saúde mental, diversidade sexual e o impacto das redes sociais na formação da autoestima. Esses elementos contribuem para a construção de uma narrativa que dialoga com o público jovem, buscando legitimá-lo como sujeito de sentimentos e decisões. A linguagem audiovisual é atual, o ritmo é ágil, e o uso de recursos como trilha sonora e dispositivos digitais confere verossimilhança à ambientação.
Entretanto, apesar dessa abordagem sensível, a série incorre em uma visão limitada da adolescência como fenômeno essencialmente psicológico e individual. Ao concentrar seus enredos em personagens de classe média com acesso a boas escolas, suporte familiar e redes de proteção, constrói uma representação homogênea da juventude, apagando desigualdades sociais, raciais e territoriais que, de fato, estruturam a experiência juvenil no Brasil. A adolescência, na narrativa, surge como uma fase universal do desenvolvimento humano, quando na realidade ela é vivida de formas profundamente distintas, determinadas por condições materiais desiguais.
Essa ausência de diversidade socioeconômica entre os personagens contribui para a naturalização de uma visão meritocrática e individualista do sucesso. Conflitos são enfrentados e superados com esforço pessoal, diálogo e autoconhecimento, sem a mediação de coletivos, políticas públicas ou ação social transformadora. Dessa forma, a série reforça uma lógica neoliberal que desloca os conflitos sociais para o campo da subjetividade, responsabilizando os indivíduos por seus sofrimentos sem questionar as estruturas que os produzem.
Ainda que aborde temas como racismo e identidade de gênero, essas questões aparecem de forma episódica e, muitas vezes, superficial. Personagens racializados ou LGBTQIA+ surgem como figuras secundárias, com escasso aprofundamento narrativo. Essa
limitação revela uma fragilidade na construção da diversidade como eixo central da trama, o que reduz o potencial crítico da série e compromete sua capacidade de representar a complexidade das juventudes brasileiras.
Do ponto de vista estético, Adolescência demonstra qualidade técnica consistente, com fotografia bem elaborada e atuações convincentes. No entanto, seu maior desafio reside na dimensão política de sua proposta. Ao privilegiar o desenvolvimento emocional individual em detrimento das questões estruturais e coletivas, a série reproduz uma imagem parcial da adolescência, alinhada aos valores de uma juventude branca, urbana e economicamente favorecida. Como produto cultural, contribui para a manutenção de uma visão idealizada da juventude, distanciando-se da realidade vivida por jovens periféricos, negros, indígenas e pobres.
Em síntese, Adolescência é uma série que acerta ao dar visibilidade a angústias reais da juventude, mas falha ao restringir essa experiência a um recorte social, racial e territorial bastante limitado. Sua contribuição ao debate público sobre juventude é válida, embora insuficiente, pois carece de uma crítica mais aprofundada às estruturas que moldam — e frequentemente limitam — as possibilidades de vida dos jovens brasileiros. Como obra de ficção, entretém; como retrato da adolescência, permanece incompleta.